Tibério Vargas Ramos
Ensaios
Tributo a Aldo Fagundes
Deputado estadual pelo PTB no Governo João Goulart e quatro vezes reeleito para a Câmara Federal pela oposição no regime militar

 

Deputado Aldo Fagundes, do velho MDB, tradicionalista e chimango (Divulgação)

Formado em Direito em 1956 (Divulgação)

Uma vez deputado estadual e quadro vezes reeleito para a Câmara Federal (Divulgação)

Foto de Luiz Cruvinel em 2011

 

Tibério Vargas Ramos

O herdeiro político de Ruy Ramos foi Aldo Fagundes (1931-2020). Conheci-o na Igreja Metodista de Alegrete, no inverno de 1955, imagino, era noite e estava frio, onde o jovem acadêmico de Direito lia a Bíblia, no púlpito, junto com o meu avô, o velho Eduardo Vargas, prefeito da cidade. O pastor era Otto Gustavo Otto, recordo bem. “Vó, quem é?” Cutuquei a dona Odith. “É o Aldo Fagundes”, ela respondeu. Eu era um menino de 6 anos, somente na primavera ia fazer 7 anos, mas já sabia ler. Antes de entrar no primeiro ano, havia decorado o alfabeto, ensinado nas férias pela minha avó. “Não vai fazer fiasco no colégio”, ela me sentenciou, era filha do professor Cassiano de Assis Pacheco.

No ano seguinte, 1956, o rapaz que lia a Bíblia se formou advogado, na Universidade Federal, em Porto Alegre. Ao entrar na política, pelas mãos do deputado federal da cidade, superou etapas, não chegou a ser vereador. Na eleição de 1959, o vice-prefeito Cassiano Paim da Motta (1924-2002) foi candidato natural do PTB a prefeito, numa sequência do trabalhismo no poder municipal, que começou com o meu avô e seguiu com Valdemar Borges, o primeiro negro a ocupar o cargo na metade do século passado. Ruy indicou o advogado prodígio Aldo como vice. Naquela época, a votação do vice era individual. Joaquim Fonseca Milano, também advogado, do PL, Partido Libertador, maragato, foi eleito prefeito com 6.921 votos, apenas 75 a mais do que Cassiano, e Aldo, vice, alcançou a maior votação entre todos: 7.016, vencendo o fazendeiro e empresário Jayme Brum, dono da flamante revenda da Volkswagen, por 555 de diferença. Tornou-se uma estrela ascendente na política local.

Naquela eleição de 1959, foi decisivo na derrota de Cassiano seu último discurso, na Praça Getúlio Vargas. Havia, na época, a denúncia de que o candidato trabalhista era, na verdade, comunista, o que nunca foi verdade, convivi muito com o velho político. Há contra ele apenas o fato de ter sido preso várias vezes, no início do regime militar, acusado de subversão, junto com o marxista Policarpo Pereira da Costa, ambos, coincidentemente, dentistas em Alegrete. A existência de quatro quartéis na cidade – Cavalaria, Infantaria, Engenharia e Comunicações – era complicado. “Sempre carrego uma escova no bolso para não ser surpreendido”, brincava Policarpo, com o qual eu também gostava muito de conversar. Fui par no Baile de Debutantes de sua filha mais velha, no aristocrático Clube Casino. “Se for para ser eleito com votos dos comunistas, prefiro perder a eleição”, a frase desastrada de Motta no palanque. Diz o folclore que os stalinistas tinham 150 votos em Alegrete, somados os familiares, e votaram em peso no PL dos fazendeiros. A diferença ficou em 75. Não duvido, meu colega e amigo argentino Anibal Bendati, jornalista e marxista, era antiperonista convicto e se posicionava sempre a favor do Partido Radical, dos ruralistas na Argentina, para derrotar os candidatos identificados com Perón, por considerar um atraso para a verdadeira esquerda.

No pleito de 1962, durante campanha pela reeleição à Câmara Federal, Ruy Ramos morreu no acidente aéreo em Sertão Santana, quando o Douglas em que viajava na companhia da esposa bateu num morro. O vice-prefeito Aldo Fagundes era seu companheiro de chapa concorrendo à Assembleia Legislativa e continuou sozinho na disputa. Substituía o deputado estadual alegretense Leocádio de Almeida Antunes, que foi obrigado a desistir do pleito porque participava ativamente do governo de João Goulart, como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e depois embaixador no Uruguai, quando costurou o exílio do presidente deposto em 1964. Aldo se elegeu deputado estadual com 8.354 votos, à frente de Pedro Simon, também estreante na bancada do PTB com 20 parlamentares, a maior de todas.

Nas próximas eleições legislativas em 1966, já sob o regime militar, Fagundes buscou a vaga de Ramos na Câmara Federal e Cassiano disputou lugar na Assembleia pelo MDB. Na Rádio Alegrete, em programa eleitoral ao vivo, sem censura, antes do AI-5, Belinho Blessmann e eu líamos informações e a divulgação dos nomes de Geraldo Brochado da Rocha e Mariano de Freitas Beck para as duas vagas do Senado e os candidatos do MDB em Alegrete para a Câmara Federal e Assembleia Legislativa. “Antes eram Leocádio Antunes e Ruy Ramos, agora Aldo Fagundes e Cassiano Paim da Motta”, numa alusão aos antigos candidatos do PTB antes do Golpe Cívico-Militar de 1964 que derrubou Jango. O doutor Cassiano discursava quase todos os dias e Aldo eventualmente, porque como candidato à Câmara tinha de viajar muito mais. O concorrente da Arena em Alegrete para deputado estadual era o ex-prefeito Joaquim Milano, novamente no caminho de Motta.

Aldo Fagundes, entrevista

Ouvi pela Rádio Alegrete o final da apuração na companhia do doutor Cassiano, embaixo da parreira de sua casa, na Rua Mariz e Barros, na frente da minha. Ele conseguiu finalmente vencer Joaquim em Alegrete, por pequena margem, vibramos. Mas foi uma vitória de Pirro. Cassiano, com poucos votos fora da cidade, chegou a 8.311, insuficientes. Esperava mais votos em Quaraí e São Francisco de Assis, que não vieram. O doutor Joaquim fez no total 9.690, com a fidelidade de velhos membros do PL na Fronteira, inclusive em Uruguaiana, e se elegeu pela Arena. Durante um impasse, na Assembleia, chegou a assumir o cargo de presidente, por ser o parlamentar mais idoso. Encontrava seguidamente o doutor Joaquim em Porto Alegre, vindo do Parlamento, descendo a pé a Avenida Borges de Medeiros, na direção da Rua da Praia. Ele fazia questão de parar, me cumprimentar. “Como vai o teu pai?” Perguntava sempre.

Aldo Fagundes, entrevista

Naquele ano de 1966, Aldo assumiu a vaga de Ruy, na Câmara, com 25 mil votos. Candidato preferencial do MDB em Alegrete e Uruguaiana, com presença marcante nas cidades da fronteira, ainda tinha votos pingados em quase todo o Estado, em razão de seu vínculo com a Igreja Metodista como Ruy Ramos. Herdou seus votos naturalmente e em 1970 fez 37.958, chegou a 50 mil em 1974 e se reelegeu deputado pela quinta vez (quatro federal e um estadual) em 1978 com 36.171. Lembro-me daquela apuração. Ele era apresentado como uma das decepções do pleito pelos comentaristas das emissoras de rádio de Porto Alegre, por estar com uma votação baixa, na iminência de não se reeleger. “Tem um problema aqui”, observou Mendes Ribeiro, na Rádio Gaúcha, “Alegrete e Uruguaiana estão sem luz em razão de um temporal na região e os resultados do pleito não aparecem, lá é o reduto de Aldo Fagundes”. Quando foram contabilizados os 8 mil votos em Alegrete e os 12 mil em Uruguaiana, ele se reelegeu.

O deputado alegretense chegou a ser líder da oposição na Câmara dos Deputados, durante o regime militar. “Somente estou nessa posição, no cenário nacional, porque muitos companheiros foram cassados”, declarou com humildade. Religioso, pregador na Igreja Metodista, casado a vida toda com a professora e palestrante Maria Luiza Schestteldt Fagundes, ele votou a favor da lei do divórcio por ser uma causa progressista. Sem apoiar a luta armada, assaltos a bancos e sequestros cometidos pelas organizações clandestinas comunistas que combatiam a ditadura, Aldo Fagundes teve uma posição de destaque na resistência democrática. Ponderado, terno escuro bem cortado, camisa branca, gravata discreta, tradicionalista, lenço branco dos chimangos em ocasiões especiais, corajoso, voz forte e metálica dos Fagundes, nunca se omitiu nos grandes debates nacionais nos anos de chumbo. Ele defendeu, no Congresso, a liberdade, manifestações públicas, passeatas estudantis, o retorno da democracia, eleições direta para presidente, governador, prefeito de capitais e áreas de segurança, contra a censura, pela anistia e se posicionava sempre ao lado das “causas populares”, como se dizia na época. Íntegro, sem máculas, sempre na oposição, não tinha verbas públicas do governo militar para distribuir, muito menos emendas parlamentares impositivas, como agora. Enfrentava os eleitores, a cada novo pleito, com a cara, a idoneidade, as convicções, crenças religiosas protestantes e a verdade. Os conchavos de hoje e o conluio abjeto da suposta esquerda com reconhecidos escrotos da política brasileira, bem nutridos, cara lustrosa, vista na televisão, são, para mim, repugnantes. Aldo honrou e foi fiel aos milhares de votos que recebia a cada nova eleição. Como Ruy Ramos, ele vendeu a casa em Alegrete para comprar residência em Brasília.

Sempre estive ao lado do doutor Aldo desde a eleição 1966, somente com a redemocratização em 1982 e a criação de novos partidos, deixei de votar no PMDB para seguir Brizola no PDT. Naquele ano, Aldo fez 31 mil votos e não se reelegeu, abandonando a política. Em 1986, no governo de José Sarney, por indicação de Ulysses Guimarães, ele foi nomeado ministro do Superior Tribunal Militar, para mostrar às forças armadas que o poder civil estava assumindo o protagonismo. Em 2001, foi o primeiro civil a assumir a presidência do Tribunal Militar e se aposentou a seguir por ter atingido a idade limite de 70 anos. Perdeu a eterna companheira, dona Maria Luiza, e morreu em 2020, de covid, aos 89 anos.

Publicado em 4/2/2023
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