Trancada no quarto, liga para a mãe. Por quê? Dona Lilá vive para botar fogo, não para consolar. Vibra com a descrição do brigadeiro depois do encontro com a ex. Vaticina: “O velho vai voltar para a coroa, não te disse?” A filha cala. “És uma songa-monga, não colocaste nada no teu nome, vais ficar com uma mão na frente outra atrás. Ele se serviu sem gastar quase nada. Eu que sonhei com um fim de vida mais leve, vou ter que continuar te carregando, sabe lá até quando!” Desliga. Mãe assim dispensa madrasta. “Ingrata, ainda bate o telefone na minha cara”, aperta a bagana no cinzeiro transbordante. “Alguma coisa com a mana?” Guto se arruma para sair.

“O tal brigadeiro, que nunca me enganou, balançou hoje de manhã diante da coroa plastificada e vai dispensar a tua maninha. A Daniela vai cruzar esta porta de cara deslavada e um pontapé na bunda. Pior para ti, voltarás a dormir no chão”, diverte-se, sarcástica.

Uma viagem de 640 quilômetros. De arrepiar. Pela primeira vez viaja sozinha na estrada, mas bem acompanhada. Começa com Bob Dylan e Bob Marley, de que aprendeu a gostar por influência da filha adolescente nos anos 80, passa por Rod Stewart e completa no romantismo de Johnny Mathis, Nat King Cole, Charles Aznavour e Joan Baez. Algumas horas na estrada são nada, se comparado às décadas passadas a cada música. Para três vezes; na entrada de Cachoeira do Sul, em São Gabriel e em Alegrete.