Tibério Vargas Ramos
Ensaios
Os julgamentos de Gutenberg e das big techs
Foi acusado de plagiar a caligrafia ao criar a imprensa

Johannes Gutenberg (Reprodução)

A impressora de Gutenberg (Reprodução)

Os tipos móveis (Reprodução)

Exemplar da Bíblia de Gutenberg em museu francês (Reprodução)

Tibério Vargas Ramos

No século 15, o alemão de Mainz, Johannes Gutenberg (1400-1468), ao criar formalmente a imprensa quando imprimiu o primeiro livro, em 1455, se baseou na melhor caligrafia que julgava existir, a cópia da “Sagrada Bíblia” feita pelo escriba Ubrich Helmasperger. Ele viu um exemplar na biblioteca da Câmara Municipal de Estrasburgo, no nordeste da França, na fronteira com a Alemanha, onde morou durante um período. Gutenberg conhecia os manuscritos da Bíblia existentes na Casa da Moeda de Mainz, onde seu pai trabalhou, mas em sua opinião nada se comparava à caligrafia de Ubrich. O “B” e o “G” maiúsculos e o “d” e o “p” minúsculos, por exemplo, eram de uma incrível perfeição. Para forjar os tipos móveis, que permitiram a impressão de exemplares iguais, Johannes não teve escrúpulos: reproduziu as letras de Ubrich.

Quando a rudimentar impressora reproduziu o primeiro livro, numa oficina, Gutenberg foi processado por plágio, no Tribunal de Mainz, localizado na praça junto à Catedral. A acusação esteve a cargo do promotor público Sigfrido de Manguntia. O pernóstico acusador, com gestos eloquentes, sombrio e ameaçador, tinha uma cultura escolástica invejável, surgida no final da Idade Média, após o período de travas, quando reacenderam as luzes da cultura no fim do século 12, com a proliferação de escolas públicas e religiosas e o surgimento das primeiras universidades. Apesar de culto, o rábula não entendeu que estava florescendo um novo tempo com o livro impresso. No júri, ele levou até o velho Ubrich para depor, apesar de fragilizado pela idade, e convenceu os jurados de que o réu era um plagiador e o inventor da imprensa foi condenado a pagar multa de 2020 florins por sua criatividade que multiplicou acesso à cultura.

Em 2024, o Supremo Tribunal Federal do Brasil decidiu repetir o julgamento do Tribunal de Mainz, seis séculos depois, ao colocar em julgamento as big techs, as grandes empresas de tecnologia, como Apple, Google, Amazon, Microsoft, Meta e X, as novas versões do invento de Gutenberg, acusando as plataformas de disseminar desinformação e ódio, obrigando-as a censurar os usuários, para não responderem criminalmente pelo conteúdo das mensagens. Ao contrário do escolástico Manguntia, pernóstico e teatral em sua acusação, os ministros do STF exibiram total desconexão de raciocínio diante de uma inovação revolucionária como os tipos móveis do século 15. No pomposo plenário do Supremo, os ministros fizeram piada e disseram sandices, como estivessem numa conversa de botequim. Exemplificaram o caso do homem jogado da ponte por um policial e o espancamento de mulheres como “liberdade de expressão” sem limite. Surgiu o trem de Minas com música de Milton Nascimento. Felizmente ninguém foi atropelado. Zombaram das multas e criticaram os lucros das plataformas para impor a autocensura das big techs nas redes sociais. Como se as telefonias fossem responsabilizadas pelo que se fala ou o prefeito da cidade pelas discussões na praça.

Publicado em 10/12/2024
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