Cláudio Mércio (*)
Um autor não precisa se revelar em seu texto, mas Tibério Vargas Ramos dá pistas de quem é. Na primeira página do primeiro capítulo de “Sombras Douradas”, o gráfico alemão Gutemberg divide espaço com nerds obcecados por aplicativos. Não, Tibério não é um nerd. Tibério é um homem de imprensa, do bom jornalismo, que nas últimas décadas dedica-se a uma função tão nobre quanto a primeira: ensinar. É professor da Faculdade de Comunicação da PUCRS. Também não esconde sua origem de nascido no Alegrete. Conversa com o leitor sem medo de usar o “tu”. Busca não se esconder atrás do “você”, que ampliaria o mercado para a obra.
Em seu quarto livro pela Editora AGE, personagens transitam entre uma Europa do século XVI inflamada pelo Renascimento e o século XXI em que, nas palavras do autor, “milhões de pessoas em todos os continentes discutem em 2015 a cor imprecisa do vestido de uma noiva”. Não ouso caracterizar o livro de Tibério em um gênero. Os desavisados podem classificá-lo de romance pós-moderno. Bobagem. Tibério não é pós-nada. É presente. Tibério não fragmenta. Conecta. Ouso dizer que é um livro inteligente em que reis, rainhas e amantes da França convivem com Renatas e Anas de Porto Alegre com o objetivo de dar prazer ao leitor. Prazer este que segue um princípio básico de texto de qualidade. Um bom texto levanta hipóteses, possibilidades e argumentos. Assim é “Sombras Douradas”. Hipóteses, possibilidades e argumentos marcam as 263 páginas da obra, ora disfarçando-se em crítica social e cultural, ora vestindo a fantasia do romance. O desfile de personagens históricos – até o matemático Ptolomeu está presente! – pode levar o leitor ainda na faixa dos 20 e poucos anos e correr para o Google ou a Wikipédia. Se isto acontecer, o autor pode considerar-se realizado. Seria a prova de que sua obra conectou-se ao jovem tão seguro nas redes sociais, mas tão desconectado de uma história do antes.
A literatura de Tibério entende que estamos em um mundo que não aceita mais a fórmula da velocidade que se aprende na escola – velocidade é igual a distância sobre o tempo. Sabendo disso, o autor brinca com estes elementos. A quebra desta fórmula traz complexidade à obra. Em que velocidade vamos do século XVI ao XXI? Qual a distância entre o Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, e o Vale do Silício, na Califórnia? Quanto tempo o conhecimento enciclopédico precisa para navegar nas redes sociais? O autor afirma que “Sombras Douradas” é um livro de duas histórias. Humildade. Para o leitor insistente, é possível encontrar mais. A obra também apresenta a história do pensamento de Tibério Ramos, um dos maiores jornalistas que o Rio Grande do Sul produziu.
(Resenha publicada no Caderno de Sábado do Correio do Povo; Porto Alegre, 5 de setembro de 2015. Cláudio Mércio é professor de Televisão no curso de Jornalismo da Famecos/PUCRS.)