Tibério Vargas Ramos
Dezoito anos na direção da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), em Porto Alegre, o jornalista, professor e juiz classista Antônio Firmo de Oliveira González se aposentou de todas suas atividades profissionais em 31 de outubro de 1994, devido a problemas cardíacos e pulmonares, provocados por intensa atividade e pelo cigarro, que nunca abandonou, mesmo depois de colocar cinco pontes de safena em 1986.
Na direção da Famecos, González foi substituído pelo vice-diretor, professor Eurico Saldanha de Lemos, jornalista, publicitário e relações-públicas, com longa carreira profissional em jornais, agências e na Universidade. Nascido em Pelotas, em 1931, Saldanha se formou em Jornalismo pela PUCRS, em 1956. Ele ficou na direção da faculdade até 2 de março de 1997. Na Universidade foi também chefe-de- gabinete da Reitoria, durante 15 anos, na administração do reitor Norberto Rauch. Continuou na Universidade até 2010 como professor de comunicação, orientador de monografias, e editor de livros na Edipuc. Amável, apreciador de música clássica e torcedor do Internacional, assíduo nos jogos no Beira-Rio, morreu em 14 de outubro de 2014, aos 82 anos. Era uma figura capaz em todas as áreas da comunicação, professor, colega e amigo leal, atencioso e prestativo.
Depois de se aposentar na Famecos, González continuou como presidente da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), cargo que desempenhou de 1990 até sua morte em 8 de agosto de 1996, uma semana depois de completar 58 anos, no dia 30 de julho. Casado com a Myrthes, artista plástica, deixou casal de filhos e netos.
Nascido em Porto Alegre, 1938, Antoninho, como era carinhosamente chamado por familiares, amigos e colegas, era filho de Alice e do médico Antônio Tasis Gonzalez, proprietário de hospital em Flores da Cunha. O garoto estudou em colégios de Farroupilha e Caxias do Sul e veio para a capital para fazer a universidade. Não seguiu a tradição da família, voltada à medicina. Optou pelo Jornalismo. Entrou no curso da PUCRS como calouro, em 1957. Foi presidente do Diretório Central de Estudantes (DCE) em 1958 e ao se formar, em 1959, foi o orador da turma.
Signo de Leão, ele tinha os músculos moldados no boxe, em academias do centro, na juventude, e mantidos na maturidade com dezenas de apoio sobre o solo, ao acordar de manhã. Quando sofreu os primeiros ataques de angina, espancava o peito para aliviar a dor. Depois veio o infarto e cirurgia cardíaca.
Redator rápido, batia com força no teclado da máquina de escrever, utilizando apenas quatro dedos, o indicador e o médio. González começou a trabalhar em jornal na Última Hora, em 1º de novembro de 1960. O vespertino ficava na Rua Sete de Setembro, em cima do Cinema Rex. No ano seguinte, ele atravessou a rua para não mais voltar. Pediu demissão para trabalhar na Empresa Jornalística Caldas Júnior, ali na esquina, na Rua Caldas Júnior 219, onde permaneceu durante 26 anos, desempenhando todos os postos na Folha da Tarde e Correio do Povo, de repórter, redator, editor, secretário e diretor de redação.
Convidado pelo diretor Claudio Candiota, tornou-se professor de disciplinas de Jornalismo Impresso na Famecos em 1967, ainda no colégio Rosário. A faculdade só foi transferida para o campus da Avenida Ipiranga no ano seguinte, com aulas no prédio 5, Reitoria (estúdios de rádio e laboratório de fotografia) e no Pavilhão da Mecânica (ilha de televisão). Em 1969, Candiota foi substituído na direção pelo professor e jornalista Alberto André, que lecionava na faculdade a disciplina de Administração de Jornal desde 1952. O jovem professor González passou a ser seu mais próximo colaborador, como coordenador do Departamento de Jornalismo. Com muitas histórias pitorescas sobre jornalismo, prendia a atenção dos alunos, preenchia todo o quadro verde com esquemas e citações teóricas, mas não conseguia passar o período da aula sem fumar. Acendia um cigarro, tragava, batia a fumaça com a mão, e depois ficava com o braço para fora da porta, até terminá-lo. Eram outros tempos.
O reitor Irmão José Otão, engenheiro civil, mas sólida formação na área de ciências humanas, texto perfeito e articulado, colaborador regular do Correio do Povo, sempre foi um entusiasta na área de comunicação social e decidiu aproveitar o rápido sucesso na recém-criada Famecos, dotando-a de um espaço próprio, unificando suas áreas. A proposta inicial foi transferi-la para o Colégio Champagnat. Alberto André sustentou que deveria ser erguido um novo prédio, com instalações planejadas. O exemplo era o inovador prédio da Zero Hora, inaugurado em 1969. Otão concordou com a ideia e em 5 de novembro de 1971 assentou a pedra fundamental do prédio 7 do campus, em um projeto arquitetônico bem semelhante a Zero, principalmente nas linhas retangulares de cimento voltadas para a avenida Ipiranga.
A construção recorde, durante apenas o ano de 1972, foi acompanhada pelo vice-diretor Irmão Elvo Clemente, González e a professora Vera Ferreira, com larga experiência em televisão. Em 8 de dezembro daquele ano, o emblemático prédio 7 era inaugurado, a primeira faculdade de comunicação do Brasil com espaço físico planejado para as diversas áreas da comunicação à época: redações de jornalismo gráfico, estúdios de rádio e televisão, laboratórios de comunicação social e agência de publicidade, assessoria de imprensa e relações públicas, em formato profissional e de estágio universitário, para prestar serviço à Reitoria, sob a supervisão de Antônio González.
Alberto André se aposentou em 1976. Antoninho, aos 37 anos de idade, assumiu a direção da faculdade em seu lugar, no dia em 31 de dezembro daquele ano, nomeado pelo chanceler da Universidade, cardeal Vicente Scherer. González reafirmou a proposta da PUCRS, desde a criação da Famecos, em 1965, de “formar comunicadores sociais capazes e independentes” para o mercado de trabalho. Foi responsável pela informatização das redações da faculdade no fim dos anos 1980, com apoio do reitor Norberto Rauch. Inaugurou o Cicom (Centro de Informática e Comunicação), no primeiro andar do prédio 7.
Não deixava de beber um cafezinho no bar da faculdade, no térreo, na companhia de professores e alunos, contando piadas e fazendo brincadeiras. Alegre por natureza. Centro das atenções, sem se preocupar com a liturgia do cargo. Chamava as meninas de “baixinhas”. Reivindicações podiam ser feitas no gabinete, sem marcar dia e hora, a porta sempre aberta, sem ter de ser anunciado pela Secretaria, ou informalmente no bar. Sempre abriu espaço na docência para profissionais do mercado, mas também foi ele quem proporcionou espaço para o desenvolvimento de pensadores da ciência da comunicação. Culminou com a criação do curso de Pós-Graduação em Comunicação Social, em seu último ano na direção, em março de 1994.
Workaholic, trabalhando da manhã à noite, González, durante os 18 anos em que foi diretor, continuou dando aulas na Famecos e também em outras universidades – Unisinos e Federal de Santa Maria –, além de trabalhar em jornais. Na sua folga na redação do jornal, após editar pela madrugada a edição de fim de semana da Folha da Tarde, dava aulas sábado pela manhã na Unisinos, em São Leopoldo, e à tarde na UFSM, em Santa Maria, em viagem de carro solitária em alta velocidade. Exímio na direção, corria como um louco, num Corcel GT branco e num Opala preto. “Quando me acidentar, vão me juntar de pá”, brincava. Nunca se envolveu em acidente grave. Domingo em casa, em Porto Alegre, e no amanhecer de segunda-feira começava de novo suas atividades em jornal, faculdades, entidades, organizações, algumas remuneradas, outras não. Ainda encontrava tempo para beber um uísque.
Muito bem-humorado, sedutor, exímio contador de histórias do jornalismo, numa linguagem envolvente e empolgada, procurando controlar a sutil gagueira. Puxava um “as” antes das palavras que trancavam. Antoninho era admirado por seus alunos, convidado inúmeras vezes para paraninfo de turmas de formandos. Como gestor, em redações de jornal ou unidades acadêmicas, proporcionava liberdade de atuação aos subordinados, autonomia, apenas exigia responsabilidade e eventuais cobranças eram feitas com diplomacia, educação e respeito. Conseguia, assim, retirar o máximo de suas equipes que não desejavam decepcionar a fidelidade, parceria, solidariedade e sinceridade de González. Acreditava e em viagens pelo país, em congressos de comunicação, convenceu aos acadêmicos e mídia que a Famecos, na época, era a melhor do Brasil. Primeiro lugar nacional, várias vezes, no ranking da Playboy.
Contraditório, com comportamento avançado e ideias conservadoras, ele só não tergiversava no entusiasmo pelo jornalismo e na fervorosa defesa da liberdade de imprensa, inclusive durante os 20 anos da Ditadura Militar (1964-1984), para a soltura de colegas presos e intensa atividade classista. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Porto Alegre, eleito em chapa única, em abril de 1971. Em mandato de três anos, tornou-se um líder nacional da categoria, com atuação incisiva em congressos, na defesa formação acadêmica e do diploma para exercício da profissão. Nos anos 80, tornou-se juiz classista na Justiça do Trabalho. Fiador da Cooperativa dos Jornalistas, perdeu o apartamento onde residia, na Rua Quintino Bocaiuva, zona nobre de Porto Alegre, para pagar as dívidas.
Em 1990, assumiu a presidência da Associação Riograndense de Imprensa (ARI), novamente em substituição a Alberto André, que dirigiu a entidade desde 1956, durante 34 anos. González morreu como presidente da ARI em 8 de agosto de 1996. Foi velado no Salão Nobre da Assembleia Legislativa em ambiente que alternava profunda tristeza e alegria pelas inúmeras histórias de vida de Antoninho.