Da Redação do Site
Entrevista de Tibério Vargas Ramos ao editor de cultura Romar Beling, da Gazeta do Sul, de Santa Cruz, na edição de fim de semana de 6 e 7 de julho de 2024. O jornal é um oásis na imprensa do Interior do Rio Grande do Sul com 52 páginas, a cores, 7.500 assinantes na edição impressa e mais 4.500 páginas. Eis a entrevista na íntegra:
Em que momento e a partir de que circunstâncias o senhor se determinou a elaborar o livro sobre o jornalista empresário Breno Caldas? O que pesou nessa decisão?
– Não sou iconoclasta, sempre tive admiração pelo doutor Breno. Aprendi a ler no Correio do Povo e meu pai foi correspondente do jornal em Alegrete durante 25 anos. Em 1970, quando saí da Zero Hora para ir para a Folha da Tarde, da Caldas Júnior, foi realização de um sonho. Comecei a escrever literatura, secretamente, como aprendizado e treinamento, meu primeiro romance foi publicado tardiamente, em 2012. Quando vi nas livrarias meu primeiro livro, eu comecei a acalentar o sonho de um dia, com mais experiência, mas sem ser tarde demais, escrever a biografia de Breno Caldas. Não podia me precipitar, tinha de estar à altura do personagem.
O senhor chegou a atuar profissionalmente com o doutor Breno. Como foi essa relação e ao longo de quantos anos o senhor conviveu com ele na empresa?
– Trabalhei 10 anos como repórter de polícia na Folha da Tarde, de 1970 a 1980. Naquele ano, em março, quando houve o fechamento da Folha da Manhã e reestruturação da empresa, passei a ser chefe de uma reportagem policial unificada do Correio e da Folha. No ano seguinte, por decisão do próprio doutor Breno, eu passei a ser editor de polícia do Correio. Eu tinha 32 anos. Fiquei como um dos editores do jornal até o fechamento da empresa em 1984.
Que memória o senhor guarda das características pessoais marcantes de seu Breno como empresário e como profissional?
– Ele era um homem culto, falava várias línguas, em sua biblioteca de duas peças tinha estantes com livros em alemão, inglês e francês. Morava numa fazenda, o Haras Arado, a pouco mais de 25 km do centro de Porto Alegre, onde criava cavalos de corrida, gado e plantava arroz. Tinha um veleiro e participava de regatas internacionais. Dirigia uma empresa jornalística com grande poder econômico e político. Mantinha certo distanciamento das pessoas. Ninguém conhecia sua intimidade. Visto como soberbo e arrogante. Um círculo pequeno de amizades. Mas quando ele abria a defesa, era extremamente agradável. Relaxado num sofá de seu gabinete, ele me contou sua passagem como repórter de polícia do Correio, quando eu era chefe de reportagem em 1980.
O senhor menciona que o livro se trata na verdade de um romance. Mas houve uma profunda pesquisa, além de suas lembranças pessoais. Seria então um romance biográfico? Como o senhor prefere classificá-lo?
– Para escrever o livro, eu usei minha experiência em new journalism do americano Tom Wolfe e aprendi truques de reconstituição histórica com os latinos Llosa, Puig, Fuentes, Manguel, Onetti, Benedetti, Piglia, Aira, Andahazi e o espanhol Javier Marías, há anos venho lendo eles. Não fiquei engessado em documentação. Como a narrativa do livro tem certas liberdades de criação e intimidades minhas, acho que ele tem muito de romance, mas meu editor Paulo Ledur, considera, sim, uma biografia. Enfim …
Seu Breno esteve por 49 anos à frente do Correio do Povo. Foi um dos veículos brasileiros da imprensa que mais fortemente manteve a marca ou a filosofia de um único proprietário, não é mesmo?
– Breno Caldas era um homem conservador, liberal, erudito, de bom gosto. A empresa tinha sua marca, mas apenas o Correio do Povo e a Rádio Guaíba deviam ser exatamente como ele pensava: sóbrios, qualificados, prudentes. Folha da Tarde, vespertino, era mais povão, com maior liberdade editorial. A Folha da Manhã, durante um período, de 1974 a 1976, em pleno regime militar, chegou a ser de esquerda. Ele mesmo interviu quando achou que tinha passado do limite.
O que mais vivamente diferencia, na avaliação do senhor, o jornalismo impresso do tempo de doutor Breno daquele praticado na atualidade?
– No tempo de Caldas, Mesquita no Estadão, Frias na Folha, a Condessa no Jornal do Brasil, Bittencourt no Correio da Manhã e Roberto Marinho no Globo, Chateaubriand já morto, os jornais tinham a marca do proprietário. Diante de uma elite jornalística não era fácil influenciar na linha editorial. Eles mantinham o controle e conduziam negociações, isoladamente ou em grupo. Tinham muita imposição.
Aliás, como o senhor avalia, também na condição de professor, o tipo de jornalismo que se faz nesses dias atuais, em tempos multiplataforma?
– Não se pode ser contra o automóvel, o avião, o satélite, a internet, a inteligência artificial. Seria a negação da humanidade. O homem é o criador da tecnologia. As formas de comunicação se multiplicam, diversificam, tudo é avaliado correta ou erroneamente, faz parte do jogo. Nessa imensidão, o jornalismo baseado na verdade, ética e responsabilidade, é indispensável, como sempre foi, quem mente, manipula, milita, é logo desmascarado pelas plataformas.
Que lições ou que estratégias o senhor entende que o livro biográfico de Breno Caldas pode inspirar para empresários ou o ramo da comunicação gaúcha e brasileira da atualidade como um todo?
– É o retrato de um tempo. Tem acertos e erros de uma época e nenhum juízo de valor. Passou pela República Velha, Estado Novo, democracia, regime militar. O Jornalismo e o Direito não podem deixar de acreditar na verdade e na justiça, o passado mostra que a luta é permanente, às vezes parece que não há futuro, mas é preciso seguir, a luz pode aparece no fim do túnel.
Esse volume integra uma série, Tempo & Destino. O que mais virá por aí, dentro dessa série? Qual o propósito dela?
– São histórias reais, personagens próximas, como Breno Caldas, e outros importantes do imaginário coletivo de um tempo. Os outros dois volumes estão escritos, mas não sou poeta, incapaz de interferir em sua criação. Sou jornalista, corrijo, reescrevo, corto, acrescento. O livro Breno Caldas me impactou tanto que tentarei passar aos outros o mesmo estilo.