Tibério Vargas Ramos
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“É o retrato de um tempo”
Entrevista ao editor de cultura Romar Beling, da Gazeta do Sul, de Santa Cruz, RS

Editor de cultura e crítico literário Romar Belling, da Gazeta do Sul (Arquivo Pessoal)

Tibério Vargas Ramos, autor de “Breno Caldas” (Divulgação)

Capa do caderno Magazine (Reprodução)

A entrevista para a Gazeta do Sul (Reprodução)

Edição capa dura, 384 páginas da Editora AGE, Porto Alegre (Reprodução)

Da Redação do Site

Entrevista de Tibério Vargas Ramos ao editor de cultura Romar Beling, da Gazeta do Sul, de Santa Cruz, na edição de fim de semana de 6 e 7 de julho de 2024. O jornal é um oásis na imprensa do Interior do Rio Grande do Sul com 52 páginas, a cores, 7.500 assinantes na edição impressa e mais 4.500 páginas. Eis a entrevista na íntegra:

Em que momento e a partir de que circunstâncias o senhor se determinou a elaborar o livro sobre o jornalista empresário Breno Caldas? O que pesou nessa decisão?

– Não sou iconoclasta, sempre tive admiração pelo doutor Breno. Aprendi a ler no Correio do Povo e meu pai foi correspondente do jornal em Alegrete durante 25 anos. Em 1970, quando saí da Zero Hora para ir para a Folha da Tarde, da Caldas Júnior, foi realização de um sonho. Comecei a escrever literatura, secretamente, como aprendizado e treinamento, meu primeiro romance foi publicado tardiamente, em 2012. Quando vi nas livrarias meu primeiro livro, eu comecei a acalentar o sonho de um dia, com mais experiência, mas sem ser tarde demais, escrever a biografia de Breno Caldas. Não podia me precipitar, tinha de estar à altura do personagem.

O senhor chegou a atuar profissionalmente com o doutor Breno. Como foi essa relação e ao longo de quantos anos o senhor conviveu com ele na empresa?

– Trabalhei 10 anos como repórter de polícia na Folha da Tarde, de 1970 a 1980. Naquele ano, em março, quando houve o fechamento da Folha da Manhã e reestruturação da empresa, passei a ser chefe de uma reportagem policial unificada do Correio e da Folha. No ano seguinte, por decisão do próprio doutor Breno, eu passei a ser editor de polícia do Correio. Eu tinha 32 anos. Fiquei como um dos editores do jornal até o fechamento da empresa em 1984.

Que memória o senhor guarda das características pessoais marcantes de seu Breno como empresário e como profissional?

– Ele era um homem culto, falava várias línguas, em sua biblioteca de duas peças tinha estantes com livros em alemão, inglês e francês. Morava numa fazenda, o Haras Arado, a pouco mais de 25 km do centro de Porto Alegre, onde criava cavalos de corrida, gado e plantava arroz. Tinha um veleiro e participava de regatas internacionais. Dirigia uma empresa jornalística com grande poder econômico e político. Mantinha certo distanciamento das pessoas. Ninguém conhecia sua intimidade. Visto como soberbo e arrogante. Um círculo pequeno de amizades. Mas quando ele abria a defesa, era extremamente agradável. Relaxado num sofá de seu gabinete, ele me contou sua passagem como repórter de polícia do Correio, quando eu era chefe de reportagem em 1980.

O senhor menciona que o livro se trata na verdade de um romance. Mas houve uma profunda pesquisa, além de suas lembranças pessoais. Seria então um romance biográfico? Como o senhor prefere classificá-lo?

– Para escrever o livro, eu usei minha experiência em new journalism do americano Tom Wolfe e aprendi truques de reconstituição histórica com os latinos Llosa, Puig, Fuentes, Manguel, Onetti, Benedetti, Piglia, Aira, Andahazi e o espanhol Javier Marías, há anos venho lendo eles. Não fiquei engessado em documentação. Como a narrativa do livro tem certas liberdades de criação e intimidades minhas, acho que ele tem muito de romance, mas meu editor Paulo Ledur, considera, sim, uma biografia. Enfim …

Seu Breno esteve por 49 anos à frente do Correio do Povo. Foi um dos veículos brasileiros da imprensa que mais fortemente manteve a marca ou a filosofia de um único proprietário, não é mesmo?

– Breno Caldas era um homem conservador, liberal, erudito, de bom gosto. A empresa tinha sua marca, mas apenas o Correio do Povo e a Rádio Guaíba deviam ser exatamente como ele pensava: sóbrios, qualificados, prudentes. Folha da Tarde, vespertino, era mais povão, com maior liberdade editorial. A Folha da Manhã, durante um período, de 1974 a 1976, em pleno regime militar, chegou a ser de esquerda. Ele mesmo interviu quando achou que tinha passado do limite.

O que mais vivamente diferencia, na avaliação do senhor, o jornalismo impresso do tempo de doutor Breno daquele praticado na atualidade?

– No tempo de Caldas, Mesquita no Estadão, Frias na Folha, a Condessa no Jornal do Brasil, Bittencourt no Correio da Manhã e Roberto Marinho no Globo, Chateaubriand já morto, os jornais tinham a marca do proprietário. Diante de uma elite jornalística não era fácil influenciar na linha editorial. Eles mantinham o controle e conduziam negociações, isoladamente ou em grupo. Tinham muita imposição.

Aliás, como o senhor avalia, também na condição de professor, o tipo de jornalismo que se faz nesses dias atuais, em tempos multiplataforma?

– Não se pode ser contra o automóvel, o avião, o satélite, a internet, a inteligência artificial. Seria a negação da humanidade. O homem é o criador da tecnologia. As formas de comunicação se multiplicam, diversificam, tudo é avaliado correta ou erroneamente, faz parte do jogo. Nessa imensidão, o jornalismo baseado na verdade, ética e responsabilidade, é indispensável, como sempre foi, quem mente, manipula, milita, é logo desmascarado pelas plataformas.

Que lições ou que estratégias o senhor entende que o livro biográfico de Breno Caldas pode inspirar para empresários ou o ramo da comunicação gaúcha e brasileira da atualidade como um todo?

– É o retrato de um tempo. Tem acertos e erros de uma época e nenhum juízo de valor. Passou pela República Velha, Estado Novo, democracia, regime militar. O Jornalismo e o Direito não podem deixar de acreditar na verdade e na justiça, o passado mostra que a luta é permanente, às vezes parece que não há futuro, mas é preciso seguir, a luz pode aparece no fim do túnel.

Esse volume integra uma série, Tempo & Destino. O que mais virá por aí, dentro dessa série? Qual o propósito dela?

– São histórias reais, personagens próximas, como Breno Caldas, e outros importantes do imaginário coletivo de um tempo. Os outros dois volumes estão escritos, mas não sou poeta, incapaz de interferir em sua criação. Sou jornalista, corrijo, reescrevo, corto, acrescento. O livro Breno Caldas me impactou tanto que tentarei passar aos outros o mesmo estilo.

Publicado em 8/7/2024
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