Tibério Vargas Ramos
Quando o arquiteto Oscar Niemeyer projetou o Palácio da Alvorada e iniciou a construção em 5 de abril de 1957, para ser a residência oficial do Presidente da República, na nova Capital Federal, Brasília, ele inspirou-se no presidente Juscelino Kubitschek. Todo envidraçado, como o olhar translúcido de JK no alvorecer, destacam-se no prédio os pilares em formato de parábolas de 4º grau com apenas um ponto de contato no solo e no teto, numa visão futurista do Brasil. Foi inaugurado em 30 de junho de 1958 para ser a residência do presidente bossa-nova, fazia o Brasil sonhar com trilha sonora de Tom e Vinicius.
Em Alegrete, alguém teve a péssima ideia de mandar construir uma réplica do Palácio da Alvorada, na entrada da cidade, próximo ao antigo Aeroporto. A casa era grotesca, nem sei quem morava, nas “colunas parabólicas” havia roupa estendida. Mais tarde surgiu uma luz vermelha atrás das vidraças. Tinha se transformado num cabaré.
Cassado em 6 de junho de 1964, no início do regime militar, Juscelino morou um tempo em Paris e voltou ao Brasil. O Copacabana Palace fazia questão de hospedá-lo, gratuitamente, quando ele ia ao Rio. Para se exercitar, o “Peixe Vivo”, sua música preferida, nadava de costas na piscina do hotel. Lembro-me de uma reportagem na revista Manchete. Oficial-médico da Polícia Militar de Minas Gerais, ex-presidente, ex-governador e ex-senador, ele era um homem charmoso e elegante, usava meias de seda, diziam ter aventuras amorosas. Morreu em acidente de carro em 1976, junto com o motorista do Opala em que viajava. Até hoje tem teoria da conspiração.
Jânio Quadros, seu sucessor, tomou porres homéricos no Alvorada, saía trocando os pés no piso de mármore, esbarrando nos poucos móveis em amplos espaços vazios. Ao assumir após a renúncia de Jânio, João Goulart não quis morar no Palácio de Vidro, como era chamado o castelo de verão da rainha Catarina, da Rússia. Preferiu a propriedade rural da Presidência da República, nas cercanias de Brasília, que apelidou de Granja do Torto, numa alusão à sua fazenda, na entrada de São Borja, chamada de Granja, e ao fato de puxar da perna esquerda para caminhar. O general João Figueiredo, ao seguir as orientações de Geisel de promover a Anistia e a abertura “lenta e segura” na Presidência, enquanto a oposição pedia “ampla, geral e irrestrita”, também não quis morar no Alvorada. O general de cavalaria preferiu a Granja do Torto para ficar mais próximo das baias.
Fernando Collor, o primeiro presidente escolhido em eleições diretas após a Redemocratização, igualmente abriu mão do Alvorada. Continuou morando na Casa da Dinda, a mansão da família, toda cercada de muros. No fim da manhã de domingo, o Caçador de Marajás saía de seu palacete para correr na rua, cada vez com uma camiseta com dizeres diferentes para o deleite dos repórteres da TV Globo que mostravam ao vivo o exercício do presidente, colocado no poder por reiteradas manipulações do Jornal Nacional. Qualquer semelhança não é mera coincidência, apenas “interésses”, como diria o Brizola.
Lula está incomodado, diz que não tem onde morar em Brasília, porque a Janja vetou a estrutura e estado de conservação do Palácio da Alvorada. Apesar de ser um prédio ousado, todo envidraçado para contemplar o olhar translúcido de JK, foi construído em 1957, com mobiliário minimalista, característica do modernismo. Desculpe a ousadia, mas sugiro à nova primeira-dama que substitua as cortinas eletrônicas claras e as de tecido leves por outras pesadas de veludo vermelho, a cor do Partido, para cobrir as indiscretas vidraças. Ela também poderia conversar com a Rosane, ex-mulher de Collor, para lhe dar dicas para a decoração do Palácio da Alvorada com base no requinte da Casa da Dinda, com móveis Luiz XV, sofás com assentos de seda misturados com poltronas de vime, tapete indiano e candelabro rococó de louça. Ficaria um luxo só.
Quando Alexandre de Moraes assumir a Presidência no lugar do Lula, parece inevitável, ele naturalmente não irá morar atrás das vidraças do Alvorada. Muito vulnerável, nada a ver. Coisas de JK, o presidente bossa-nova. Poderia residir na subterrânea Catedral de Brasília, transformada num bunker, com ogivas nucleares embaixo dos pilares bumerangues do templo, dispostos em formas circulares, inclinados, todos se unindo ao alto. Não seria um sacrilégio, pois a igreja desenhada pelo marxista e ateu Niemeyer parece mais um abrigo antiaéreo capaz de garantir a segurança da Praça dos Três Poderes. O grande arquiteto foi um visionário até nesse item.