Tibério Vargas Ramos
Ensaios
A espada do marechal
Aos 11 anos, numa noite de inverno, vi Lott a um metro de distância.

Marechal Henrique Teixeira Lott (Foto Arquivo)

Tibério Vargas Ramos

Em 1060, os homens andavam de paletó e as mulheres de vestidos, tweeds e blusinhas de lã, fossem eles ricos, da classe média ou pobres. Havia uma preocupação geral em se apresentarem bem, principalmente nas missas e cultos de domingo, nas praças, nos cinemas, nos comícios e nos bailes populares ou da aristocracia. Nas lapelas, ostentavam uma vassoura dourada ou uma pequena espada. Eram os símbolos da campanha presidencial que pegava fogo.

De um lado, a direita de Jânio Quadros, da UDN (União Democrática Nacional), que prometia varrer a corrupção. Do outro, o candidato de centro-esquerda, marechal Henrique Teixeira Lott, a chapa do PTB, com João Goulart de vice. Aos 11 anos, numa noite de inverno, vi Lott a um metro de distância. Era baixo, usava sobretudo escuro e boné de lã quadriculado para proteger a cabeça calva. Lembro-me bem, como se fosse hoje. Caminhava apressadamente em direção ao palanque, na Praça Getúlio Vargas, em Alegrete, ao lado da melena prateada do deputado federal Ruy Ramos.

Nem na hora de brincar eu tirava a espada dourada do Lott da camiseta do Inter ou moletom. Uma das casas da Mariz e Barros tinha um valete, um menino espécie de faz-tudo, que brincava conosco. Tipo ordenança no quartel. Apelidei-o de cabo Lott. Pegou. Abertas as urnas, venceu a vassoura e Jango de vice, pois a votação era em separado. Naquele dia, já tinha completado 12 anos em setembro, fiquei tristonho e aprendi a perder. O histriônico Jânio acabou renunciando. Lott morreu em 1984, no fim da ditadura, no governo Figueiredo, sem honras militares.

Um cabo e um soltado não seriam insuficientes para derrubar o projeto de poder por 20 anos do PT, mas bastou um capitão da reserva. Muitas vezes discutimos, no bar da faculdade, entre os professores, a estratégia de José Dirceu de manter o partido no poder de 2002 a 2022. Quase sempre eu ficava sozinho, considerava um acinte, queria projetos de país. Vieram as vitórias de 2006, 2010 e 2014. Faltou somente a última. A corrupção nos órgãos públicos para enriquecimento pessoal e alimentar o apetite do partido foi descoberta, Dirceu e Lula presos, mas o plano prosseguiu, chegando ao segundo turno das eleições de 2018.

Jair Bolsonaro se elegeu com mais de 57 milhões de votos, quase 12 milhões a mais do segundo colocado. Foi inequívoca a decisão da maioria dos brasileiros por uma guinada à direita. É inconcebível defender a democracia, sem admitir a possibilidade de perder. Pressupõe alternância no poder. O PT está pagando caro pelos malfeitos cometidos para manter em pé o projeto de poder de 20 anos de José Dirceu. Mais do que se apoderar de recursos da Petrobras, ele roubou nossas utopias de generosidade, igualdade, ética, responsabilidade, liberdade. 58 anos depois, venceu a espada do marechal nas mãos do capitão.

Publicado em 30/10/2018
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